quinta-feira, 23 de agosto de 2012

[Opinião] " A Vida que nunca te contei", de Josephine Cox


 
 
Autora: Josephine Cox
Título da Edição Portuguesa: “ A Vida que nunca te contei”
Título Original: “Songbird”
Editora: Publicações Europa-América
Colecção: Contemporânea
Data da 1ª Edição: Agosto de 2009
Páginas: 320


Sinopse:

Na cidade de Bedford, quatro estudantes ouvem a voz insistente de uma mulher a cantar. A bela melodia é entoada pela vizinha — uma pessoa solitária, que nunca abre a porta a ninguém, nem sai de casa em pleno dia.

Não podiam saber que a mulher na casa ao lado, Madeleine Delaney, é perseguida por uma recordação antiga que durante vinte anos controlou a sua pobre existência…

A voz angélica de Madeleine e a sua beleza impressionante atraem os corações de muitos. Mas ela só está interessada no proprietário do clube, Steve Drayton, um homem extremamente atraente mas assustador.

Então, uma noite, ela presencia um crime horrível e a sua vida muda irrevogavelmente para sempre. A gentileza e a amizade de uma rapariga — Ellen — salva Madeleine da destruição total. Mas para sobreviverem têm de fugir de Londres, deixando para trás aqueles que amam, e o perigo segue-as para onde quer que vão...


Crítica/Opinião

Por: Isabel Alexandra Almeida/Os Livros Nossos


   O romance “A vida que nunca te contei” da autora Britânica Josephine Cox, com a chancela de Publicações Europa-América, traz-nos de volta a um género por vezes esquecido da literatura, que poderemos livremente apelidar de romance dramático, que poderá ser também caracterizado como literatura feminina.

   Trata-se de uma obra escrita de forma exemplar, com uma linguagem fluída mas também algo elaborada (sem que tal prejudique a inteligibilidade da obra e antes afastando a mesma da categorização, tantas vezes perjorativa, de literatura light). A autora transporta-nos numa viagem que, temporalmente, decorre entre 1978 e 1996, tendo por cenário cidades Britânicas como Bedford, Londres, Blackpool, Bedfordshire e novamente Bedford. A obra apresenta-se estruturalmente dividida em cinco partes, num total de 25 capítulos não demasiado extensos ( o que também facilita a leitura), sendo a narrativa feita de uma forma circular, na medida em que a acção é narrada no presente (Bedford em 1996), seguindo-se três partes que correspondem a analepses, e terminando no mesmo local em que tivera início, de forma surpreendente.

   A personagem Central da obra é Madeleine Delaney, outrora cantora conhecida entre o público da Noite Londrina, tendo sido cantora residente no Clube Pink Lady, propriedade do sedutor, violento e inescrupuloso Steve Drayton, com o qual manteve uma relação destrutiva, e cujo medo persistirá ao longo de vinte anos como um terrível fantasma do passado que persiste em atormentar Maddy, e vedar-lhe o acesso a uma vida tranquila,  livre e plena, pois que o confronto final com Steve Drayton, em Londres ficará sempre gravado na mente de Maddy, que não esquece a ameaça a si dirigida pelo homem que tanto amou “ - A tua carta está marcada sua cabra. Não deixes de olhar por cima do ombro. Dia e Noite, onde quer que tentes esconder-te, eu encontrar-te-ei.”

  É também ainda em Londres, enquanto cantora no Pink Lady, que conhece a sua melhor amiga e protectora Alice Mulligan, o dedicado Jack e o prestável Raymond, amigos dos quais se verá tragicamente separada.

   Em Blackpool, onde se refugia na companhia de Ellen Drew, que conhece acidentalmente em Londres em circunstâncias gravosas para ambas, conhecerá momentos temperados com bastante ternura e quase encontra uma nova família e Ellen e no seu simpático avô Bob (a personagem mais simpática, carinhosa, divertida e positiva da história), mas o destino força-a a fugir novamente, e em Bedfordshire encontrará Brad Fielding, um sofredor e simpático Veterinário, viúvo e com um filho ainda menor, também ele uma vítima das circunstâncias da vida, mas um lutador incansável. Mais uma vez, não o destino, mas a traição de alguém que julgara ser-lhe leal,  separam Maddy de um local seguro e quase põem fim à sua vida.

   Em 1996, encontramos novamente a personagem, já com cinquenta anos, descuidada e perturbada mentalmente (depressiva, paranoide, apática e isolada socialmente), será ajudada por um casal de jovens estudantes universitários, seus vizinhos que a socorrem de um problema de saúde. E sabemos então o desenlace final da história desta personagem dramática, com elevada carga psicológica, e que nos faz pensar na gravidade da violência exercida contra tantas e tantas mulheres que não vislumbram inicialmente o perigo que correm em relacionamentos amorosos que estão condenados à partida, como se lhes escapasse toda a lógica e racionalidade para julgar o carácter dos agressores, que muitas vezes as manipulam.

   As personagens podem facilmente distinguir-se entre bons e vilões, a narrativa é rica em detalhes que permitem caracterizar diversos espaços sociais, desde a vida nocturna Londrina em finais dos anos sessenta (em moldes que, se abstrairmos da época e espaço, nos chegam a fazer lembrar algumas descrições próprias de policiais noir povoados por Gangsters ao estilo de Al Capone), passando pela vida modesta da classe média em Bedford, ou o ambiente agradável e sereno de uma pequena povoação balnear Britânica (Blackpool) que nos evoca por vezes, as férias estivais, deixando-nos curiosos para conhecer directamente as paisagens, onde acabamos por simpatizar até com as vizinhas coscuvilheiras da povoação, e tomamos também contacto com a vida numa típica quinta Britânica (em Bedfordshire).

    Podemos encontrar descrições abundantes e claras dos locais onde decorre a acção, as personagens vão-se dando a conhecer, nos seus vícios e virtudes, forças e fraquezas, quer pela caracterização do narrador quer pelos seus diálogos e interacções diversificadas.

  Denotou-se alguma diferença no ritmo narrativo nos quatro primeiros capítulos da obra, sendo que, daí em diante, o ritmo vai gradualmente acelerando, apenas nos pareceu menos necessária à construção da narrativa a descrição do ambiente entre os estudantes universitários vizinhos de Madeleine no início da obra, se bem que, na parte final, acabamos por entender melhor a pertinência de tal menção. O romance é pautado por um permanente clima de tensão e suspense que incentiva o leitor a avançar na sua leitura, e inevitavelmente, a questionar-se sobre se, em algum momento, Maddy encontrará a paz e a felicidade tão merecidas e desejadas, bem como o reencontro com algumas das pessoas mais importantes da sua vida, em termos positivos.

   De um modo geral, podemos considerar que a narrativa é fechada ( com conflito, climax e desenlace) , mas a nosso ver, existem alguns pormenores da história que bem poderiam dar lugar a um novo livro, e que, em nossa opinião, não foram totalmente explorados pela autora.

   Em suma, uma obra de elevada qualidade literária, que prende os leitores do início ao fim, apenas com a ressalva do ritmo dos quatro primeiros capítulos, com descrições de alguma violência, uma forte carga psicológica, e a levar a reflectir, por exemplo, sobre valores como a amizade, a lealdade (até onde vai a nossa lealdade e amizade?), e acaba por nos transmitir uma salutar mensagem de esperança perante muitas das adversidades da vida. Gostámos e recomendamos a leitura !

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