quarta-feira, 1 de agosto de 2012

[Entrevista] Joel G. Gomes autor de "Um Cappuccino Vermelho"

Vamos iniciar as entrevistas de Agosto com o Escritor Joel G. Gomes, natural da margem sul. O seu romance de estreia já foi alvo de critica aqui no nosso blog. Agradecemos desde já a disponibilidade do autor em responder às nossas questões.
De seguida, encontra-se a entrevista conduzida por Liliana Novais.
Foto gentilmente cedida pelo autor.



1.      Iniciou a escrita deste livro em 2002, porque é que demorou dez anos a editá-lo?

Por várias razões. "Um Cappuccino Vermelho" foi escrito para um concurso literário que existia organizado pela Editorial Teorema e pela FNAC. Estávamos em 2002 e foi a primeira vez que me propus a escrever algo ambicioso como um romance. Não ganhei o concurso, mas acabei por ganhar alguma experiência e perceber que escrever um romance não era a mesma que escrever sketches de humor ou qualquer outra coisa. Não que escrever sketches seja fácil, porque não é.
Enfim, os anos foram passando e, se por um lado quem lia o livro dizia sempre que gostava, por outro eu não achava que aquilo fosse publicável. Dito de outra forma, se uma editora o quisesse publicar (não comigo a pagar, claro) eu depressa aceitaria; todavia, não iria tentar a minha sorte com elas.
Avançando um pouco no tempo, porque senão depois não tenho nada para dizer na segunda questão, tomei a decisão de deixar "Um Cappuccino Vermelho" na gaveta e trabalhar noutras obras. Desenvolvi vários projectos para televisão e cinema, escrevi alguns contos e crónicas, até que chegou um momento em que achei que estava na hora de trabalhar num novo romance e esse sim publicá-lo.
Comecei a escrever "A Imagem" em meados de 2009 e quando dei por mim estava a escrever uma continuação do primeiro livro. Ora, eu não podia publicar uma continuação sem publicar o início, não é? Quer dizer... pensando bem, até podia. Depois punha a circular o rumor de que a primeira obra era raríssima e vendia cada exemplar a 100 euros. (Suspiro) Lá se foi uma bela oportunidade de negócio.
No essencial foi isto: resolvi publicar este livro dez anos depois de o ter escrito porque não podia publicar o segundo sem publicar o primeiro. É claro que isto obrigou-me a revisitar "Um Cappuccino Vermelho", obrigou-me a actualizá-lo, a fazer acertos em datas e acontecimentos de modo a que os dois romances ficassem equiparados. E foi ao fazer essa reescrita que eu percebi que aquilo tinha muito que corrigir e fiquei contente por não o ter publicado mais cedo.


2.      Existem muitos críticos acerca das edições de autor, porque é que optou por esta via?

Eu tinha esta, chamemos-lhe, “convicção” que era não publicar este livro, só que as convicções são como doce de morango. Nós gostamos de doce de morango, até que há um dia em que descobrimos o doce de figo e percebemos que também não é mau. O exemplo não tem nada a ver, eu sei, mas serve para introduzir a história. O que aconteceu foi que há uns anos atrás, em 2009, fui ao Porto assistir ao Fantasporto e numa edição do jornal “O Primeiro de Janeiro” vinha lá um anúncio à Papiro Editora. Como aquilo ficava ali pertinho resolvi ir lá. Fui muito bem recebido, conversámos sobre o processo e quando voltei ao hotel onde estava enviei-lhe o ficheiro. Um dia ou dois depois já tinham lido e gostavam imenso. Eu, fiquei contente, como é óbvio, infelizmente não tinha capital para investir.
Entretanto, como eu acho que editar um livro é como comprar um electrodoméstico, fui procurar outras ofertas. Fiz uma selecção e contactei as editoras que poderiam estar interessadas em publicar o meu livro – a Presença, a Asa, a D. Quixote, Saída de Emergência, Chiado Editora, etc. – e aquilo que eu percebi foi: quando são as editoras a pagar a edição, existe um critério mínimo que é, a obra não ter erros, ou pelo menos não ter erros gritantes (eu sei que o meu tem erros, calma), e a história fazer sentido (ponto também discutível em muitos casos); quando é o autor a pagar, qualquer obra é candidato a Prémio Cervantes, BookPrize ou Nobel. Percebe-se que foram estas últimas a demonstrar interesse pelo meu livro.
Eu desdenho um bocado um bocado estas edições de vanity-publishing (cá em Portugal chama-se edição compartilhada ou co-participada porque o autor fica com a ideia que existe uma partilha equitativa entre despesa e lucro, o que não é bem verdade) precisamente por isto. Existem bons autores a publicar boas obras por este meio. O problema é que também existem maus e os maus são em maior quantidade. A falta de outro critério que não o financeiro – "desde que pague, publica-se"  –, faz com que eu, enquanto leitor, tenha dificuldades em destrinçar o bom do razoável e do péssimo. As outras editoras também publicam muita porcaria, mas existe um critério. Também comercial, é certo, porque o negócio delas é vender livros. No entanto, enquanto umas editoras investem em obras que poderão ter retorno, as outras levam os autores a investir nas suas próprias obras. Eu sou da opinião que devemos acreditar no potencial do nosso trabalho. Mas também devemos ser realistas.
E eu fiz as contas, falei com algumas pessoas, soube de certas histórias e pensei: pagar por pagar, publico por minha conta. Não é nada do outro mundo, mantenho controlo criativo, distributivo e financeiro sobre tudo e pronto. É um stress danado, mas prefiro assim.



3.      O seu primeiro capítulo aborda exaustivamente o tópico café, foi influenciado pelo facto de o ter escrito num café?

Penso que "exaustivamente" seja a palavra certa. Exagerei um bocado nessa parte, há que dizer. As pessoas costumam gostar. Ou dizem que gostam. Vai na volta, só estão a ser simpáticas. Já tenho pensado se não faria bem, daqui por uns tempos, em lançar uma nova edição, com essa e outras partes melhoradas.
Sobre a influência, foi um bocado. O primeiro capítulo apresenta um dos protagonistas, o Ricardo Neves, que além de escritor é também assassino profissional. Eu imaginava um assassino profissional como aqueles que vemos nos filmes, todo bem vestido, discreto. E no café que eu então frequentava, o tal onde os três ou quatro primeiros capítulos foram escritos, andavam por lá algumas figuras que serviram de modelo físico e comportamental, não apenas ao Ricardo mas a outros personagens.


4.      Como é que lhe surgiu a ideia para este livro?

A ideia inicial era escrever sobre um escritor que descobre que aquilo que ele está a escrever se está a tornar realidade. A ideia não era nova, já tinha sido usada, por exemplo, no filme Instinto Fatal, mas eu achava que podia fazer a coisa de forma diferente.
Também achava que fazia falta um tipo que fosse assassino. Na altura ainda não existia o Ricardo nem o João, apenas um fulano que seria uma coisa e outro fulano que seria outra. Entretanto, há um dia em que vou no Metro a pensar no personagem do assassino e cruzo-me com uma rapariga e... não sei explicar. Aconteceu uma associação qualquer de ideias dentro da minha cabeça e concluí que o assassino teria de ser também escritor. Ao concluir isso, concluí também que em vez de ter um escritor a escrever sobre outro escritor, poderia ter dois escritores a escrever um sobre o outro, de modo a que não fosse óbvio qual deles seria o real e qual deles seria o fictício.


5.      Com qual das duas personagens mais se identifica, o Ricardo ou o João?

A minha mãe diz que eu pareço-me mais com o Ricardo. Por causa da parte da tranquilidade; não ando por aí a matar pessoas. Só imagino. Por outro lado, o João é alguém que pensa demasiado nas coisas e, ainda assim, acaba por tomar decisões precipitadas. Um pouco como eu, às vezes.
No fundo, penso que haverá um pouco de mim em cada um dos personagens. Alguns traços serão óbvios, outros nem tanto. Por vezes, nem eu me apercebo do que coloco de meu neles, mas sei que coloco alguma coisa.


6.      O que é que a sua experiência como cronista trouxe para o seu livro?

Para o primeiro não trouxe muito. É verdade que comecei a escrever crónicas em blogues desde 2006, mas só a partir de 2010, quando comecei a publicá-las em vários jornais, é que comecei a levar a coisa mais a sério. Incluindo impôr a mim mesmo uma disciplina de trabalho que antes não tinha.
Escrever é como tudo na vida: quando mais praticamos, mais melhoramos. Por isso, naturalmente, que escrever três a cinco artigos por semana foi-me dando calo e ajudou-me a melhorar imenso.
Acima de tudo, o que a minha experiência como cronista trouxe para este livro foi divulgação. Consegui entrevistas, anúncios, artigos, etc. O que não seria impossível se não tivesse qualquer relação prévia com eles, embora fosse mais complicado.


7.      Fale-nos um pouco acerca do seu novo livro, “A Imagem”.

“A Imagem” conta a história de Lucas, um jovem com um passado obscuro, que é obrigado a pactuar com uma série de horrores para que os seus segredos não sejam revelados. É também alguém com uma relação muito próxima com um dos personagens de “Um Cappuccino Vermelho”. O Lucas está preso à sua vida, à sua rotina, até ao dia em que se depara com um imagem surgida da noite para o dia. Imagem essa que só ele vê e que o obriga a colocar a si próprio uma série de questões. Será na sua busca para responder a essas questões que o Lucas irá encontrar uma forma de lidar com o seu passado e, acima de tudo, com o seu presente.
A história do Lucas é a principal, mas está longe de ser a única. Há personagens julgados mortos que reaparecem, há passados alterados, pesadelos que se tornam realidade, etc. Existe um vasto rol de personagens, cada um com a sua história, com os seus objectivos, e as linhas vão se cruzando, vão se convergindo até ao grande final.

8.      É verdade que tem um passatempo associado a este? Em que consiste?

No final d' “Um Cappuccino Vermelho” incluí um excerto d' “A Imagem”. No final d' “A Imagem”, além do excerto do próximo trabalho, que se intitulará “A Voz”, resolvi incluir um conto escrito ou pelo Ricardo ou pelo João. Mas depois pensei: em vez de escrever eu esse conto, porque não convidar outros a escrevê-lo?
Basicamente, o passatempo consiste no seguinte: a pessoa escolhe qual dos personagens quer “encarnar” e escreve um conto entre cinco a dez mil palavras. O tema é livre, pode ter ou não a ver com a história de “Um Cappuccino Vermelho”, e decorre até 10 de Outubro. (Quero ver se consigo publicar isto ainda em Novembro.)
Aconselho a visitarem o meu blogue onde poderão encontrar mais informações sobre este passatempo.
http://umcappuccinovermelho.blogspot.pt/2012/05/passatempo-eu-escrevi-o-meu-destino.html


9.      Para a promoção do seu livro criou vários sites, de onde veio a ideia?

Tanto o João como o Ricardo são escritores e eu achei que seria interessante brincar um pouco com isso, divulgando as suas outras obras, bem como as de outros autores. Os títulos e os resumos das histórias são todos meus, as capas também foram criadas por mim; e os nomes dos autores da Fractalis Editora (http://fractalis-editora.blogspot.com/) são os nomes dos protagonistas dos livros das Edições Espiréleo (http://espiraleo.wordpress.com/) e vice-versa. Às tantas já me perguntava porquê, mas depois pensava: 'eh pá, comecei, agora tenho de acabar'.
Acrescente-se que alguns – eu gostaria de dizer todos ou quase todos, mas isso seria irrealista da minha parte – dos resumos presentes nestes sites correspondem a histórias que irão ser escritas.
Ao mesmo tempo que criava isto, meses antes da publicação do livro, criei também um perfil no Facebook para o Ricardo Neves e o João Martins, além do blog oficial em http://umcappuccinovermelho.blogspot.com/ e a página oficial do Facebook em https://www.facebook.com/Um.Cappuccino.Vermelho.
Foi uma trabalheira desgraçada, mas deu-me um gozo tremendo fazer tudo isto. Quando se publica sozinho, até que outros comecem a conhecer o nosso trabalho e comecem a divulgá-lo, temos de ser nós a fazê-lo.


10.  O que reserva o futuro?

No futuro mais próximo quero terminar de escrever “A Voz” e publicá-lo. “A Voz” será um encerrar de toda esta trilogia, embora a sua ligação com os romances anteriores não seja tão directa quanta isso. Digamos que haverá algo no final desse romance que estará ligado com um elemento fulcral de “A Imagem” e, por associação, com “Um Cappuccino Vermelho”.
Depois desse tenho dois ou três romances começados, dos quais há um em particular que eu quero mesmo acabar. E depois é tentar a minha sorte com as editoras.
Tenho outros projectos em desenvolvimento, não só na área da ficção narrativa, mas também para cinema, televisão, teatro. Além dos artigos para jornal, escrevo sempre dois artigos semanalmente para o meu blogue (http://anguloobtuso.wordpress.com/) e tenho dois livros de contos quase terminados que vou pôr cá fora depois de publicar “A Imagem”. Ainda falta um bocado para concluir “A Voz” e não quero estar muito tempo sem publicar nada. O público tem tendência para se esquecer quando se está muito tempo afastado.

1 comentário:

  1. Encontrei o livro"Um Cappuccino Vermelho" na Amazon por acaso e descarreguei o ebook. Tornou-se uma agradavel surpresa. Como o autor refere, muitas vezes os livros autopublicados são uma desilusão, por vezes mal escritos, por vezes mal acabados. Neste caso estou a gostar muito, a escrita tem um estilo limpo e a historia prende. Concordo que a parte do café poderia ser menor, por outro lado os detalhes fazem parte do estilo que nos transmite o caracter obsessivo da personagem!

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