Autor: A. Passos Coelho
Título: "Memórias de Céu e Inferno"
Editora: Fronteira do Caos
Leitor Convidado: Professor Doutor Tito Ferreira de Carvalho
Primeiramente devemos salientar
que o texto que se segue não pretende ser uma recensão crítica da obra em
epígrafe, por não sermos detentores de competências para tanto, mas apenas uma
opinião resultante de uma leitura atenta e interessada do livro em apreciação.
Na linha de tantos médicos
que optaram por ser simultaneamente escritores, de que, entre nós, temos como
exemplos Júlio Diniz, Miguel Torga e Fernando Namora, A. Passos Coelho, com uma
notável carreira de Pneumologista no campo da Medicina, dá-nos, em “Memórias de
Céu e Inferno”, uma obra de grande interesse narrativo, que seguimos com
progressivo interesse, à medida que as páginas se vão sucedendo, prendendo-nos
na teia bem urdida que por vezes nos arrebata, forçando-nos a resistir à
tentação de caminhar para a última página e descobrir se o final é feliz (ou
nem por isso..).
Ao longo do livro, tentamos descobrir a razão
do título; primeiramente fazemos a ligação com a vida atribulada do
protagonista, cujo nascimento coincidiu com a morte da mãe, ficando entregue a
uma tia que, pobre, cheia de filhos para alimentar e de problemas tremendos
para resolver, numa vida arrastada e muito sofrida, honrou o compromisso
assumido perante a irmã, no leito de morte, de o tratar como se seu filho
fosse.
A tia, a primeira guardiã, a
quem se seguiriam duas outras, que a morte acabaria por levar, deixando o jovem
por duas vezes à beira do Inferno, quando do seu passamento, servindo de
lenitivo os tempos passados no Céu, assim pelo autor considerado como os
períodos de proteção da extremosa mãe que D. Guida fora e, sobretudo, de D.
Céu, que, de omnipresente mãe adotiva, passou sucessivamente a amante suprema
e, a seu tempo, a sua primeira e bem amada Esposa.
É aliás deveras interessante
a definição que o autor nos dá de inferno: “uma invenção pré-histórica, de
certo fanatismo religioso, destinado ao suplício de almas malvadas. O paraíso
fora concebido para premiar eternamente as almas boas; localiza-se no céu, em
sítio incerto…Do inferno nunca nenhum sábio ousou definir a topografia, e não
existe notícia de que alguém se tenha interessado em descobrir-lhe o paradeiro.
Por mim, creio que o inferno é nesta vida…cada pessoa pode ter o seu inferno. O
meu foi a fome, o frio, a miséria que vivi até aos oito anos num casebre imundo
de Peneda…”.
Mais tarde veremos que o
inferno, para o nosso protagonista, não acabou aqui, mas antes se fez sentir
ainda noutros momentos, se bem que com outras características, diferentemente
penosas. O pior momento foi o da morte da Querida Céu, Esposa Amada, que, ao
falecer nos seus braços, com sempre ela desejara, após prolongada doença, o fez
mergulhar de novo no Inferno, agora mais profundo que os anteriores.
Em contrapartida, no dizer
do nosso herói, em Chaves “vivia feliz na simpática, bonita, acolhedora, farta
cidade fronteiriça flaviense. Vivia no céu!”.
Céu e Inferno, de que ele
receava não se libertar tão cedo, após a morte da Esposa, talvez até nem o
desejasse, pelo menos de início. Mas a vida ainda tinha muitas surpresas para
ele. Na pessoa da antiga enfermeira de Céu, Ema, ele viria de novo a
reencontrar o Amor e, claro, o Céu.
Ema, que o estimulou a
compilar as memórias da sua vida, até então, a que anuiu com grande relutância,
pois não se sentia capaz de tal. Mas com o auxílio de Ema, tudo se tornou mais
fácil. Até o título, que só na última frase do livro ficamos a conhecer:
“Memórias de Céu e Inferno”. Por outras palavras, a centralidade de Céu na vida
de Silvestre é incontornável; e, fora dela, ainda que um tanto exageradamente,
só parece haver Inferno.
Mas agora há Ema. E o Céu
voltou de novo. Para ficar, espera-se, deseja-se!
Nota muito positiva, pois,
para este “Memórias de Céu e Inferno”, de A. Passos Coelho, escrito numa
linguagem acessível mas com algumas imagens apelando a forte erudição por parte
dos leitores, nada que o recurso a um bom dicionário não resolva. E um enredo
bem tecido, que prende da primeira à última página. Destacando sempre a enorme
beleza de umas das regiões mais prendadas de Portugal, centrada no Douro, e a
memória de um País dos tempos de Salazar, que convém não desconhecer, porque de
memória importante se trata. Até para compreender melhor o presente e atuar
adequadamente no futuro.
Estão pois de parabéns o
Autor e a Editora, pela obra de que vivamente recomendamos a leitura.
Economista / Professor
Universitário
Nota:
Tito Ferreira de Carvalho escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico.
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