quarta-feira, 3 de outubro de 2012

[Palavra de Leitor] Memórias de Céu e de Inferno, de A. Passos Coelho revisto por Tito Ferreira de Carvalho


 
Autor: A. Passos Coelho
 
Título: "Memórias de Céu e Inferno"
 
Editora: Fronteira do Caos
 
 
Leitor Convidado: Professor Doutor Tito Ferreira de Carvalho
 
 
   Primeiramente devemos salientar que o texto que se segue não pretende ser uma recensão crítica da obra em epígrafe, por não sermos detentores de competências para tanto, mas apenas uma opinião resultante de uma leitura atenta e interessada do livro em apreciação.
   Na linha de tantos médicos que optaram por ser simultaneamente escritores, de que, entre nós, temos como exemplos Júlio Diniz, Miguel Torga e Fernando Namora, A. Passos Coelho, com uma notável carreira de Pneumologista no campo da Medicina, dá-nos, em “Memórias de Céu e Inferno”, uma obra de grande interesse narrativo, que seguimos com progressivo interesse, à medida que as páginas se vão sucedendo, prendendo-nos na teia bem urdida que por vezes nos arrebata, forçando-nos a resistir à tentação de caminhar para a última página e descobrir se o final é feliz (ou nem por isso..).
    Ao longo do livro, tentamos descobrir a razão do título; primeiramente fazemos a ligação com a vida atribulada do protagonista, cujo nascimento coincidiu com a morte da mãe, ficando entregue a uma tia que, pobre, cheia de filhos para alimentar e de problemas tremendos para resolver, numa vida arrastada e muito sofrida, honrou o compromisso assumido perante a irmã, no leito de morte, de o tratar como se seu filho fosse.
   A tia, a primeira guardiã, a quem se seguiriam duas outras, que a morte acabaria por levar, deixando o jovem por duas vezes à beira do Inferno, quando do seu passamento, servindo de lenitivo os tempos passados no Céu, assim pelo autor considerado como os períodos de proteção da extremosa mãe que D. Guida fora e, sobretudo, de D. Céu, que, de omnipresente mãe adotiva, passou sucessivamente a amante suprema e, a seu tempo, a sua primeira e bem amada Esposa.
   É aliás deveras interessante a definição que o autor nos dá de inferno: “uma invenção pré-histórica, de certo fanatismo religioso, destinado ao suplício de almas malvadas. O paraíso fora concebido para premiar eternamente as almas boas; localiza-se no céu, em sítio incerto…Do inferno nunca nenhum sábio ousou definir a topografia, e não existe notícia de que alguém se tenha interessado em descobrir-lhe o paradeiro. Por mim, creio que o inferno é nesta vida…cada pessoa pode ter o seu inferno. O meu foi a fome, o frio, a miséria que vivi até aos oito anos num casebre imundo de Peneda…”.
   Mais tarde veremos que o inferno, para o nosso protagonista, não acabou aqui, mas antes se fez sentir ainda noutros momentos, se bem que com outras características, diferentemente penosas. O pior momento foi o da morte da Querida Céu, Esposa Amada, que, ao falecer nos seus braços, com sempre ela desejara, após prolongada doença, o fez mergulhar de novo no Inferno, agora mais profundo que os anteriores.
   Em contrapartida, no dizer do nosso herói, em Chaves “vivia feliz na simpática, bonita, acolhedora, farta cidade fronteiriça flaviense. Vivia no céu!”.
   Céu e Inferno, de que ele receava não se libertar tão cedo, após a morte da Esposa, talvez até nem o desejasse, pelo menos de início. Mas a vida ainda tinha muitas surpresas para ele. Na pessoa da antiga enfermeira de Céu, Ema, ele viria de novo a reencontrar o Amor e, claro, o Céu.
   Ema, que o estimulou a compilar as memórias da sua vida, até então, a que anuiu com grande relutância, pois não se sentia capaz de tal. Mas com o auxílio de Ema, tudo se tornou mais fácil. Até o título, que só na última frase do livro ficamos a conhecer: “Memórias de Céu e Inferno”. Por outras palavras, a centralidade de Céu na vida de Silvestre é incontornável; e, fora dela, ainda que um tanto exageradamente, só parece haver Inferno.
   Mas agora há Ema. E o Céu voltou de novo. Para ficar, espera-se, deseja-se!
   Nota muito positiva, pois, para este “Memórias de Céu e Inferno”, de A. Passos Coelho, escrito numa linguagem acessível mas com algumas imagens apelando a forte erudição por parte dos leitores, nada que o recurso a um bom dicionário não resolva. E um enredo bem tecido, que prende da primeira à última página. Destacando sempre a enorme beleza de umas das regiões mais prendadas de Portugal, centrada no Douro, e a memória de um País dos tempos de Salazar, que convém não desconhecer, porque de memória importante se trata. Até para compreender melhor o presente e atuar adequadamente no futuro.
   Estão pois de parabéns o Autor e a Editora, pela obra de que vivamente recomendamos a leitura.
Tito Ferreira de Carvalho
Economista / Professor Universitário
 
Nota: Tito Ferreira de Carvalho escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico.
 


Sem comentários:

Enviar um comentário

Obrigada pela sua opinião. Os comentários serão previamente sujeitos à moderação da administração da página e dos autores do artigo a que digam respeito, antes de publicação.