Título: A Casa Vermelha
Autor: Mark Haddon
Colecção: Grandes Narrativas
Edição: Abril de 2013
Editora: Editorial Presença [aqui]
Para mais informações sobre a obra visite o site da Presença aqui
Crítica Por: Isabel Alexandra Almeida / Blog Os Livros Nossos:
A Casa Vermelha, de Mark Haddon, é um romance contemporâneo bastante original e de inegável qualidade literária, que nos leva a conhecer bem de perto dois núcleos familiares interligados que se cruzam durante umas férias que duram apenas uma semana, mas que nos permitem conhecer toda a complexidade dos laços familiares.
Richard, um médico bem sucedido, contrai novo casamento com Louise, uma mulher moderna, atraente, que traz para o novo núcleo familiar a irreverente Melissa, a sua filha adolescente, uma rebelde por natureza, que se revela arrogante, desafiadora e que é afinal uma adolescente marcada pela separação dos pais, vendo-se envolvida em contextos escolares de maus tratos entre jovens, também eles com percursos perturbados que os arrastam para a condição de vítimas e agressores entre pares.
Procurando aproximar-se da irmã - Angela - de quem se encontrava afastado emocionalmente há largo tempo, Richard convida a irmã, o marido desta - Dominic, um homem que procura encontrar o seu lugar na família, lutando por afastar o peso de uma relação extra-conjugal que lamenta - e os filhos do casal e sobrinhos de Richard: Benjy - um menino frágil, com problemas de dicção e indícios de perturbação psicológica, pelo facto de se isolar e de procurar a representação de violência habitual nas suas brincadeiras, revelando também interesses algo bizarros, por vezes; Alex - um adolescente já quase adulto, desportista, em nítida construção da sua identidade pessoal, com a necessidade premente de cortar o cordão umbilical, mas sem deixar de assumir o papel de protecção da família, ao sentir que a mãe está fragilizada, que o irmão mais novo precisa de protecção e apoio, e que tenta afirmar-se como chefe alternativo da família, ao ver no pai Dominic uma nítida inaptidão para tais responsabilidades; e a Jovem Daisy, que procura na religião a fuga para as suas dúvidas mais profundas sobre aquilo que realmente deseja em termos emocionais e sexuais, querendo negar a si mesma o seu interesse por membros do mesmo sexo, por considerar que tal vai contra os princípios religiosos que entretanto abraçou.
Numa alusão que oscila entre o luto de Angela pela perda da filha recém nascida Kate, e a hipótese de uma presença sobrenatural, surgem também menções a Kate, com o aspecto físico que teria se fosse viva, mas com referências à sua presença fantasmagórica, e a verdade é que o fantasma de Kate assombra o núcleo familiar de Angela e Dominic, senão enquanto presença sobrenatural, ao menos metaforicamente e em termos psicológicos, pois a mãe não conseguiu ultrapassar ainda tão dura perda, não fez o luto, tendo descuidado o seu aspecto, perdido auto-estima, deitado a perder uma relação de envolvência relacional e familiar plena com o marido e com os filhos, e com o seu irmão Richard.
É interessante assistir à evolução de conflitos familiares durante uma semana de férias em que cada uma das nossas personagens se confronta com as perdas, medos e angústias do passado e do presente, e acaba por ser fascinante para o leitor saborear os momentos de interacção das personagens, alternados com os seus trajectos íntimos, como se entrássemos nas suas mentes como que dotados de especiais poderes que nos permitissem desvendar sem limites a mente humana.
Trata-se de uma obra literária, com uma linguagem cuidada, cuja leitura requer concentração, e que faz pensar sobre escolhas, decisões e como os mais variados contextos podem ter consequências na nossa vida.
Muito interessante é a referência ao passado dos dois irmãos - Richard e Angela, ambos oriundos de uma família disfuncional, com pais alcoólicos, que tentaram cada um à sua maneira, reagir a tal obstáculo, Richard refugiando-se nos estudos e numa carreira de sucesso (que vê agora perigada por uma acusação de negligência médica) e Angela investindo na criação de uma família sua, que sonhava estável, feliz e unida, mas que tem de vencer bastantes dificuldades, tanto relacionais como até mesmo ao nível financeiro.
Um retrato brilhante da mente humana, pintado com indiscutível mestria pelo punho de Mark Haddon.
Recomendamos sem reservas esta leitura. Nota Máxima!
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